segunda-feira, 15 de junho de 2009

Meninos e Meninas e os conflitos da sexualidade

Ouça a música "Meninos e meninas" no link acima!
Em tempos de passeata gay, de intolerâncias e violências contra as minorias, é sempre bom lembrar e refletir sobre alguns versos de uma música que fez muito sucesso no final dos anos 80 na voz de Renato Russo da Legião Urbana.

Entre várias letras que falavam de sua condição como homem e gay, Renato Russo em “Meninos e Meninas” se destaca por tocar num conflito que praticamente todos jovens passam, digamos, o ritual de passagem entre a puberdade e a fase adulta, qual seja, a construção da sexualidade, da relação com a família, com os outros de sua idade e com os mais velhos.

A canção narra o conflito entre a formação religiosa da personagem da música narrada em 1ª pessoa, que é proveniente de uma família católica e os sentimentos novos e confusos: o gostar diferente em relação a meninos e meninas e como ser aceito pela família, pela sociedade e, espiritualmente, pela crença religiosa de seus pais, nesse último conflito, como superar o preconceito religioso que insiste em rotular o homossexualismo, ainda hoje (e não se restringe apenas ao catolicismo), como uma anormalidade, uma promiscuidade, enfim, como um pecado.

Como é próprio da modernidade sexista descrita por Foucault em sua trilogia: “História da Sexualidade” em que contestou a tese da repressão sexual de autores como Marcuse, revelando que, para além da repressão, o poder age como incentivador do discurso sexual, modelando, acomodando, fiscalizando, punindo sim, mas, sobretudo, formando regras de conduta baseadas em um saber sexual, com seus dispositivos de poder e verdade.

É sobre essa ótica, a do centralismo sexual, que os adolescentes do Ocidente começam a tatear e a fazer a leitura de mundo, a julgar os colegas e a si mesmo, a condenar certas condutas e a se espelharem em outras, para se formar enquanto indivíduo. É um aprendizado tortuoso, pois, por um lado, são cobrados por todos, acerca de sua conduta ética, julgados, em grande parte, pelo comportamento sexual que adotam e, por outro, se vêem sozinhos, desassistidos e, concomitantemente, direcionados por um discurso de saber sexual que diz a hora, o local e para quem devem se expressar, não certamente, para pessoas da mesma faixa etária.

Além de todo o ensejo para refletirmos, proporcionado pela letra de Renato Russo, há também as ambigüidades, um colega meu diria: a canção é polissêmica, pois a cada nova audição, permite que você a perceba de outra forma, com ênfase em outros aspectos. Nesse sentido, “Meninos e Meninas” transcende os clichês do pop e não pode ser simplesmente descartada, muito pelo contrário, é uma legítima poesia que expressa os anos 80, mas também o ultrapassa em sua temática ainda atual (talvez, os anos 80 também continuem atuais).

Abaixo a intolerância!

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Disque M para Matar: uma trama perfeita de um crime quase perfeito

“Disque M para Matar” é a história de um crime quase perfeito, mas é, por outro lado também, uma filmagem sincronizada e dramaticamente bem construída que se amarra até nos mínimos detalhes. Entre outras cenas em que se pode comprovar isso, está aquela em que o matador contratado/chantageado deve deixar a chave para que o marido entre depois e encontre sua mulher morta.


Toda a trama depende desse detalhe que é registrado em poucos segundos na seqüência em que o aspirante a assassino pega a chave escondida sob o tapete da escada, gira a chave, mas demora alguns instantes para abrir a porta, esses instantes, como a câmera está dentro da casa esperando a porta se abrir, é a comprovação técnica de que a chave é colocada de volta no lugar, antes que o homem, encarregado de assassinar Margot (Grace Kelly) entrasse na casa, conforme havia combinado com Tony (Ray Milland) seu marido, para que este ficasse com a herança.


Quando Tony, então, com seu álibi perfeito no clube, o ex-amante de sua mulher, Mark, descobre, preocupado e apreensivo, que seu plano não havia dado certo, começa a pensar no que faria para evitar que a polícia não desconfiasse que a tentativa de assassinato a sua pessoa tivesse motivações passionais ou econômicas, pois era o seu ex-colega de faculdade que estava morto no chão de sua sala.


Nesse momento, Tony acha que o Swan, o assassino contratado, como não conseguiu matar sua mulher, estava ainda de posse da chave, por isso, é que ele diz a ela para não chamar a polícia, para que tenha tempo de pegar a chave e assim tirar qualquer possibilidade de ser incriminado.

Nesse sentido, a chave poderia está representada com muita justiça no título do filme, pois, tal qual o “M” que representa o código do bairro da casa de Tony onde ele liga para que o assassino surpreenda sua mulher, quando esta fosse atender ao telefone, e por isso representa o acionamento da cena principal; é também, em torno da chave, que gira toda a trama dirigida com toda a maestria por Hitchcock.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O Terror “Cult” do Iluminado Stanley Kubrick



O “Iluminado” de Stanley Kubrick é um daqueles filmes em que somos, a cada cena, manipulados a sentir temor, suspense, surpresa e dúvida, com tal volúpia, que é bom estarmos sempre com o controle na mão para que possamos parar o filme e pensarmos a respeito.


Se no clássico “Dom Casmurro” de Machado de Assis, a dúvida é sobre se Capitu traiu ou não seu marido, no filme de Kubrick, a questão reside em saber se os acontecimentos são sobrenaturais ou psicológicos, da imaginação de Jack, o pai escritor, e de seu filho Danny.


Na cena que Jack escapa misteriosamente da câmara fria onde sua mulher o prendeu preventivamente depois de ser atacada por ele, parece-nos que finalmente o diretor optou pela interpretação sobrenatural, mas, em uma das últimas cenas do filme, a câmera começa a se mover lentamente para o painel de fotos de hóspedes do hotel e numa das fotos podemos ver Jack ao lado do garçom supostamente imaginado por ele.


Jack Torrance então estava no hotel quando ocorreram os assassinatos das filhas gêmeas e da mulher do funcionário?


Será que a cena em que Jack imagina estar abraçado a uma mulher nua e é flagrado pelas gêmeas não seria uma lembrança, um trauma não superado e, sendo assim, o crime teria sido cometido por Jack para que as filhas não tivessem a chance de contar ao pai? Talvez...


Assista ao filme e tire suas próprias conclusões!

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Brancaleone: O brilhante dom Quixote de Monicelli



Há algum tempo, um amigo me indicara um filme com a seguinte recomendação: “assista Brancaleone, é uma comédia sobre a Idade Média!”. Lembro que ao ouvir tal frase me dirigi imediatamente para a locadora mais próxima. Fiquei encantado com o filme e não temo em dizer que é, não só, a melhor comédia, como o melhor filme sobre a Idade Média que assisti.


Lá você encontra todos os principais elementos do fim do feudalismo. O filme conta a história de um cavaleiro medieval pobre, Brancaleone, que procura ganhar um torneio e casar-se com a princesa, até aí um clichê legítimo. Mas, a maneira como é narrada, pelo brilhante Monicelli, e as várias idas e vindas da trama é o que faz a diferença.


A película começa com uma invasão bárbara a um feudo que é salvo por um cavaleiro solitário, que ferido, é atacado por alguns sobreviventes que ele salvou. Assim, quando se encontrava à beira da morte, roubam-lhe a armadura, a espada e um misterioso pergaminho. Na cena seguinte os assaltantes levam os despojos do crime para vendê-los a um mercador judeu, que quando lê o manuscrito, percebe a encrenca em que ambos se meteram, tratava-se da concessão de um feudo ao cavaleiro portador do manuscrito que, naquele momento, se encontrava morto.

Tais personagens então partem em busca de um cavaleiro que possa tomar o feudo de Alencastro, é aí que encontrarão Brancaleone que deu vexame no torneio devido a não conseguir dominar seu cavalo. Monicelli ainda vai acrescentar outros elementos no filme: um cavaleiro de Bizâncio que irá duelar com Brancaleone pelo direito de passagem, uma das melhores cenas do filme; um monge que arrebanha voluntários para lutar na terra santa; um castelo abandonado cheio de vítimas da Peste Negra; as invasões árabes às vilas litorâneas do Mediterrâneo e muito mais.


Tudo isso regido por Brancaleone que personifica dom Quixote de Cervantes, o honrado e atrapalhado cavaleiro medieval que, na literatura, marca a transição entre Idade Média e modernidade, como também é uma das intenções de Monicelli. A continuação da história, ou melhor, do filme, ninguém pode perder, principalmente, quem gosta de história e de dar umas boas gargalhadas em alto nível.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Rastros de Ódio: o bandido-e-mocinho com requinte



Vi recentemente o filme “Rastros de Ódio” (The Searchers) de John Ford e vou aqui escrever sobre alguns pontos que considero positivo e outros que nem tanto. Primeiramente, é um filme que mostra uns Estados Unidos pouco unidos, uma terra de ninguém ou de vários donos que tentava se formar como Nação. Era o período imediatamente posterior a guerra de secessão vencida pelos Yankees, o que permite ao diretor uma história repleta de ressentimentos, como a mal digerida derrota dos confederados do sul tão cruamente retratada pelo seco John Wayne, que ainda por cima, revela o típico racismo sulista desta vez não pelos negros, habituais alvos, mas contra os índios.


É quase insuportável aturar a conduta politicamente incorreta da personagem principal e o estereótipo criado pelo diretor de que o índio é ignorante, mal e incivilizado, enquanto o branco, embora, também seja mal e ignorante, tenha, contudo, sempre um motivo para agir assim: a terra hostil que valentemente, como pioneiro e empreendedor (características forjadas da nacionalidade estadunidense) desbrava e vive, outro motivo é vingança, pois o mocinho ele não ataca, vinga, ele não agride, apenas revida o mal sofrido. Nessa perspectiva é inegável a herança grifitthiana de John Ford.


O filme, enfim, vale a pena pela habilidade narrativa do diretor e a grande fotografia que mostra com rigor a beleza selvagem do Texas e do Novo México, quando ainda (período da história do filme) não tinha sido tomado dos mexicanos.