terça-feira, 16 de outubro de 2007

Artigo: O porquê de eu preferir os punks aos hippies. E o que Marx tem a ver com isso!*




Anos 60. Era de Aquário, no horizonte irradiavam perspectivas de mudanças. O rock não era só música, eram socos desferidos no sistema. Nunca a juventude fora tão engajada. As drogas tinham outros sentidos, um deles era o de buscar novos horizontes, novas percepções, criar um mundo novo com paz, amor e liberdade. Era o tempo em que se levássemos tapas, dávamos beijos. Era nossa maneira eficaz de combater a violência, a guerra que imperava num sistema em que as mercadorias valiam mais do que os seres que as produziam. Por isso fazíamos nossas próprias roupas e nos alimentávamos de comidas naturais. Contra a guerra, na época a do Vietnã, íamos para as ruas dizendo faça amor não faça guerra. Um dia, no entanto, uma das nossas mais eloqüentes vozes disse: o sonho acabou. E a guerra continuou. Os festivais passaram a ser pagos, o sistema passou a assimilar os protestos e devolvê-lo em forma de mercadorias. O rock, as roupas já não tinham o mesmo sentido, perdera a integridade. Nossos ícones, os que não morreram de overdose e de desilusão, viraram grandes empresários, celebridades do show business. O colorido revolucionário se findara. O lema paz e amor, já não dava mais certo, não tinha o mesmo impacto...

Com a crise do petróleo, a queda da máscara do bem estar social, com as mortes de Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison, o escândalo de Nixon, a continuação da guerra do Vietnã..., formaram-se nuvens negras que cobriu todo o globo terrestre, esses foram os anos 70. Dos subúrbios abandonados surgiram ratos e baratas que passaram a causar estranheza e asco aos olhos dos habitantes limpos e chiques, acostumados ao chá das cinco ou a passearem de veleiro pela orla da praia. – Quem são essas pessoas esquisitas? – perguntavam. Ao contrário de roupas largas e coloridas, cabelos grandes e gestos pacíficos; usavam trajes negros com pontas de pregos e cadeados pendurados no pescoço, não discursavam e seus gestos eram agressivos, os cabelos pontiagudos pareciam quererem espetar o céu, um gentleman não poderia vê-los sem vomitar. Eles eram o lixo, punks, o resto da riqueza de poucos que começara a transbordar, eles não cantavam, eles berravam, eles não dançavam, eles lutavam. E o velhinho chamado capitalismo ficara tonto sem saber o que fazer, não dava para assimilá-los e depois vendê-los, por natureza, eles eram impermutáveis. Eles não pediam paz, eles queriam guerra, não pediam bom senso ao sistema, ele queriam destruí-lo e não tinham sonho, eles pisavam em chão de concreto e viam a realidade, no future era o que diziam, e diziam de uma maneira muito especial que era impossível não ouvir...

Nos tempos de Bin Laden, no vácuo deixado pelo Word Trade Center, a mensagem dos punks continuam mais do que atual, diria, imprescindível. Punks de Genova e de Seatle, os inimigos nº 1 do G8. E por quê?

Atualmente, os olhos de qualquer pessoa lúcida se encontram fatigados de ver tanta imbecilidade e falsas comoções. Passamos todo o século XX vendo desgraças atrás de desgraças: Duas Guerras Mundiais, Guerra Fria, Guerra do Vietnã, Guerra do Golfo, da Bósnia, só para ficarmos em algumas das guerras declaradas, sem falarmos do morticínio africano, dos países abaixo da linha de miséria, vítimas de um sistema desigual e excludente que separa cada vez mais os extremos. Parece que nos acostumamos com as mortes dos miseráveis, não obstante, quando quem morre são os donos do poder, aí sim nossa comoção tem que ser evidenciada, torna-se até uma norma de etiqueta, extremamente necessária e recorrente.

Nesse momento aparecem os shows beneficentes, os apelos indignados e exortações em prol da paz, tudo isso enoja qualquer possuidor de um estômago ético. Clamores pela paz? Mas se das nossas relações sociais só advém ódio, intolerância, ignorância, fundamentalismos, tanto ocidental, quanto oriental, pedir paz é demagogia barata. Os executivos que morreram (eu sei não foram só executivos, havia também trabalhadores) no atentado merecem comoção sim, mas não mais que as criancinhas africanas que morrem de desnutrição há décadas.

Podem dizer: não há explicação para pessoas que se matam para matar outras pessoas. Será que não? Será que morrer de uma só vez acreditando ou não que tal fim leva a vida eterna não é mais sedutor do que morrer de fome vendo a miséria de seu povo? É preciso evitar os julgamentos apressados, aliás, se não tivemos a experiência da miséria, da degradação humana, estado esse em que é impossível ser ético, dever-se-ia evitar os julgamentos, os discursos morais; quem nunca passou fome, ou viu seu filho morrer à míngua sem nada poder fazer não deve pensar que é um absurdo morrer com uma bomba amarrada ao corpo.

Não estou defendendo os grupos fundamentalistas, longe de mim, mas também não posso digerir essa demagogia podre proliferada pela CNN. Não cabem mais canções pacíficas e bandeiras brancas cobrindo os bombardeios a um povo sem perspectivas, não se pode esconder que o terror começou no dia seguinte do atentado ao Word Trade Center, o terror vem do ocidente, não do oriente. E o brado que devemos proclamar não é melodioso e nem suave, é agonizante e estridente.

É por isso que eu prefiro os Punks aos Hippies.

Evidente que cada um cumpriu seu papel histórico e foi a resposta política mais eficaz em seus tempos, no entanto, a conjuntura atual merece um enfrentamento na mesma proporção, a estratégia tem que ser também a guerra, guerra ao verdadeiro mal que nos corrompe... O momento pede punhos fechados e não a paz ideológica.

E o que Marx tem que ver com isso?

Não é preciso ser um gênio para descobrir que o verdadeiro interesse dos EUA não é caçar os responsáveis pelo atentado do Word Trade Center, Bin Laden e Cia., aliás, isso ainda nem foi provado. Basta sabermos que os patrocinadores da campanha pseudo vitoriosa de Bush (pois quem ganhou por larga vantagem foi Gore), foi a Indústria Bélica estadunidense, somado a isto, acrescentemos a crise de superprodução mundial (recessão), e teremos bons motivos para crermos que a invasão ao Afeganistão e, a seguir ao Iraque, além de ser a ocupação de territórios geopolíticos estratégicos, trata-se de um reaquecimento da economia mundial. O atentado terrorista, nesse sentido, foi apenas um álibi, um fator legitimador para o que veio a seguir. Resta apenas esclarecer se tal atentado foi obra realmente da Al-Qaeda o que, sinceramente, chego a sentir arrepios de dúvida, pois é tão favorável ao imperialismo estadunidense que não seria improvável um acordo tácito entre Bush e Osama. Lembra-se do Rambo III? Foi a CIA que treinou Bin Laden.

Numa economia capitalista em crise orgânica, no caso recessão, que se trata de mercadorias em excesso no mercado. A pergunta a ser feita é: por que e como ocorre o excesso? Por que produziríamos mercadorias sabendo-se que não há consumidores para elas? Primeiro, nem sempre podemos saber, pois a economia segue as leis de mercado e não a necessidade real dos consumidores, aliás, necessidade deixou de ser, há muito tempo um indicador de consumo. É a produção que cria o consumo e quase sempre o consumido não é necessário. E a produção não é pensada racionalmente, como disse acima, é regida pelas leis de mercado que seguem uma única regra: a do lucro.

O lucro, por sua vez, tem que ser sempre aplicado na produção ou no mercado especulativo, mas tem que ser aplicado, tem que virar capital. Como sabemos, graças ao vovô Marx, o lucro advém da força de trabalho, assim com o progressivo avanço tecnológico, as máquinas, cada vez mais, ocupam o lugar do homem na produção, mas não é possível extrair mais-valia das máquinas, se pagam por elas o real valor, conseqüentemente, quanto menos trabalho humano na produção, mais desemprego, mais miséria, menos consumidores, mais mercadorias e menor a taxa de lucro. O lucro advém do trabalho humano explorado, as máquinas não podem ser exploradas, se pagam por elas exatamente o que elas produzem, consequentemente, a exclusão aumenta em igual proporção em que as mercadorias se acumulam. É uma contradição inerente do sistema capitalista que gera a falência das empresas pequenas e médias que perdem na corrida tecnológica para os grandes oligopólios e são compradas por estes que, passam, assim a conseguir o lucro na comercialização de produtos exclusivos (monopólio) ou através de acordo firmado entre as grandes multinacionais (cartéis). Garante-se, desse modo, uma margem alta de lucro (diferentemente da taxa de lucro que decresce). Tal perspectiva debilita ainda mais o poder de compra do consumidor limitando ainda mais o mercado até chegar à superprodução.

Nessa etapa há duas escolhas preponderantes: ou se efetiva uma transformação social e econômica radical, mudando os rumos da economia, da perspectiva do lucro, para o das necessidades efetivas ou se faz uma destruição do excesso das mercadorias, destruindo-as da maneira mais lucrativa, eliminando o excedente, injetando sangue novo (e inocente) no mercado com a guerra. Perdoe-me o trocadilho, mas foi inevitável, ao contrário da guerra que seria sempre evitável em uma economia que visasse o bem estar de todos, que fosse racional. Todavia, em uma estrutura social onde impera o lucro e a irracionalidade do mercado, as guerras serão sempre válvulas de escape da crise, conseqüência necessária para a manutenção de um sistema irracional e injusto, dir-se-ia o maior terror que pode haver, um terror camuflado de bandeiras brancas e lenços úmidos visto por milhões de pessoas nos veículos de comunicação, vide CNN, BBC e Globo.

É nessa perspectiva que defendo as ações anarquizantes dos punks. As atitudes que não são niilistas e que provém de uma juventude consciente de seu papel atual na sociedade, uma parcela da sociedade que ainda não foi contaminada pelas desilusões das gerações passadas, e talvez consista no único combustível desse novo milênio capaz de reacender a chama revolucionária há muito extinguida. Não bastam reformas parlamentares, trocar candidatos de direita pelos pseudoesquerdistas, é só vermos o caso inglês. É preciso destruir as estruturas carcomidas desse mundo e construir um novo. E para galgarmos esse novo horizonte, os gestos de paz e amor terão poucos resultados satisfatórios, é preciso cerrar os punhos e entendermos que a introjeção do lema faça você mesmo é mais eficaz do que esperarmos as próximas eleições ou a justiça de um mundo alicerçado em injustiças.


* Publicado on line originalmente no espaço para artigos do site da Caros Amigos no final de 2001, logo após e ainda sob o impacto do Atentado do 11 de setembro. Posteriormente também (15/09/2007) publicado no blog: http://www.clioedionisio.blogspot.com/

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