domingo, 21 de outubro de 2007

Artigo: Entre o Mito do Partidarismo e o Niilismo do Abstencionismo

Estamos vivendo hoje a pior decepção da esquerda brasileira. Decepção porque o declínio das idéias e práticas da esquerda no Brasil se deve unicamente as estratégias e alianças mal-sucedidas, sem falar nos inúmeros fatos que nos envergonham na história recente do PT.
Sabemos que a fundação do PT trazia uma nova esperança para a política de esquerda no Brasil, porque abria um novo espaço de luta na política brasileira onde os trabalhadores nunca tiveram chances reais: a via eleitoral.
Nesse sentido, o PT surgiu sob o influxo do insucesso do “castrismo” brasileiro, da desarticulação das esquerdas pela repressão bem sucedida imposta pelas forças contra-revolucionárias que tomaram o poder e, claro, de uma base sólida formada pelo operariado do ABC.
A estratégia eleitoral do PT, diferentemente, das incursões mal logradas de antes, tinha justificativas bastante coerentes que eram a abertura política, a luta por eleições diretas e, como foi dito, a falência da estratégia de guerrilha em um país continental como o Brasil.
Em finais do século XIX, socialistas brasileiros já defendiam a via eleitoral, mas contra eles havia uma série de ocasiões que inviabilizavam tal organização. A primeira e mais geral era a característica do liberalismo autoritário brasileiro que na época republicana impossibilitou uma adesão mais frutífera a candidatura de representantes operários, entre outros fatores, pela pouquíssima e quase nula representação partidária no Brasil que, em média na Primeira República, o número de eleitores girou abaixo de 5%, menor do que os anos do Segundo Reinado antes da reforma eleitoral de 1881.
Este foi um dos motivos que fez do anarquismo uma força entre os operários brasileiros, pois a ação direta era uma estratégia muito mais eficaz e convincente que conseguia assim uma maior adesão, dando aos anarquistas a hegemonia da organização operária em praticamente toda a Primeira República, sofrendo uma gradativa perda de influência a partir da repercussão do sucesso da Revolução Russa no Brasil, que teve o apoio quase que unânime dos anarquistas e acabou por favorecer a fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922, com a participação de ex-libertários como Astrojildo Pereira.
Embora, a fundação do PCB tenha sido um momento marcante na história do operariado brasileiro, ele esteve longe de garantir uma participação popular importante na política brasileira, porque, entre outras causas, o contexto político no Brasil era marcado pelo coronelismo e pelo voto de cabresto. O Brasil ainda era um país de economia agrária e apesar da preocupação do PCB com os camponeses, a sua organização centralizada e restrita aos grandes centros urbanos impossibilitava a mobilização do campesinato que se distribuía separada e irregularmente pelos Oito milhões de km2 do território brasileiro.
Diante de tais dificuldades o que restou foi a aliança a uma pequena burguesia que pouco ou nada sabia das práticas e ideais socialistas.
Por outro lado, logo que o Partido Comunista conseguia algumas vitórias singelas nas urnas como a eleição de alguns deputados, os governantes brasileiros, com o pretexto de defesa da soberania nacional e acusando o PCB de ser uma organização estrangeira comandada por Moscou, tratava de cassar os mandatos dos candidatos comunistas e de colocar o Partido na clandestinidade.
A partir de 1964, com o golpe contra-revolucionário, as esquerdas foram desestruturadas pela repressão violenta e foi obrigada a se entrincheirarem-se na luta armada dos vários grupos guerrilheiros que se formaram no Brasil, marcados mais pelo desespero e heroísmo do que pela possibilidade prática de tomar o poder no Brasil.
Com o morticínio e a derrota imposta pela Ditadura a estes grupos e com o crescimento industrial do ABC, espontaneamente foram surgindo uma organização de base que possibilitou a criação de sindicatos fortes e a fundação do PT, assim, como a Central Única dos Trabalhadores que reunia os sindicatos combativos que eram a base do Partido dos Trabalhadores.
Foi assim que a partir dos anos 80, a esperança das idéias e práticas de esquerda no Brasil voltou a estar representada na estratégia eleitoral de um Partido. E 1989 talvez tenha sido o episódio mais intenso e dramático que poderia ter mudado os rumos do Brasil, num momento único em que a direita brasileira pulverizada em vários partidos e imbuída pela ambição das facções de tomarem para si o bolo inteiro do poder permitiu a ascensão de um até então desconhecido ao segundo turno para enfrentar o representante único de toda a esquerda Brasileira: Lula.
Foi nos acréscimos do segundo tempo que a direita percebendo seu erro, se aliou ao ilustre desconhecido e utilizando de todos os meios legais e ilegais conseguiram retomar as rédeas do jogo e dar a vitória a Fernando Collor. Daí para frente nas outras eleições, o Lula de 89 foi sofrendo mudanças e adequações até chegar ao Lula comestível e aceitável pela direita brasileira de 2002.
O ano de 2002 representa ao mesmo tempo a eleição de um ícone da esquerda brasileira e a maior derrota desta mesma esquerda, porque, por outro lado, representa também a suprema hegemonia da direita que consegue manter a sua diretriz econômica e política em um governo dito de esquerda. Em outras palavras, a esquerda representa a direita no poder porque foi assimilada pela direita e utilizada por ela para conseguir a legitimidade política que os governos FHC haviam perdido.
Mais uma vez em nossa história, a organização partidária revela uma desconfortante ilusão, pois sua fácil assimilação pela direita revela aquilo que os anarquistas cansavam de alertar em seus congressos e mais tarde com a fundação do Partido Comunista foram execrados por isso, a idéia de que os trabalhadores jamais podem ser representados por uma regra do sistema que os exclui, que os explora. É urgente a necessidade de inventarmos um novo jogo para lutar pelo poder. As eleições apenas encenam romanticamente a violência cotidiana imposta aos oprimidos. A eleição nesse sentido é a teatralização da opressão sob o disfarce da representação partidária.
Em suma, um mito que precisa ser desmitificado para que possamos fazer frente ao poder que nos oprime de todos os lugares não estando em nenhum lugar em específico. Estamos lutando contra o inimigo com as próprias armas que ele criou. Toda a vitória que conseguirmos não passa de um fingimento que ele nos impõe. As armas que eles nos dão, é óbvio, não podem atingi-los. Essas armas são as eleições pseudodemocráticas. Votar é um auto-engano e como cantava o poeta, Renato Russo: “Mentir para si mesmo é sempre a pior mentira”.
Estamos entre o niilismo da defesa do abstencionismo eleitoral e a ilusão do partidarismo como possibilidade de representação dos interesses populares. Nem um, nem outro nos serve, devemos buscar nova alternativa urgentemente.

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